O Havaí, com suas praias paradisíacas e cultura rica, é mais do que um destino turístico. Antes de se tornar o 50º estado dos Estados Unidos, o arquipélago era uma nação independente com uma monarquia vibrante e tradições próprias. No coração dessa história está a figura de Liliʻuokalani, a última rainha do Havaí. Ela viveu em uma época em que o poder americano começava a se expandir para o Pacífico, ameaçando a soberania do reino havaiano e os direitos indígenas de seu povo. Este artigo explora a trajetória de Liliʻuokalani, sua resistência ao domínio americano e seu legado duradouro para o Havaí.
O Reino do Havaí e a Chegada dos Ocidentais
A Formação do Reino Havaiano
O Havaí já possuía uma rica cultura nativa muito antes da chegada dos ocidentais. Com uma estrutura social organizada, religião, costumes e uma língua própria, os havaianos viviam de forma autossustentável, com uma economia baseada na agricultura e pesca. No século XVIII, o rei Kamehameha I uniu as ilhas havaianas em um único reino, criando a estrutura de governança que permaneceria por décadas.
O Primeiro Contato com Europeus e Americanos
Os primeiros estrangeiros a chegar ao Havaí foram os europeus, liderados pelo capitão britânico James Cook, que desembarcou em 1778. A chegada de Cook abriu caminho para missionários, comerciantes e aventureiros, e trouxe consigo a introdução de novos valores, doenças e tecnologias. Com o tempo, os missionários cristãos influenciaram a vida havaiana, tentando converter a população nativa e trazendo mudanças nos costumes e nas vestimentas.
Esse contato teve efeitos significativos na cultura e na política do Havaí. Com a chegada dos ocidentais, surgiram interesses comerciais voltados para as terras férteis do arquipélago. Os europeus e americanos, por exemplo, viram o potencial do cultivo de açúcar e abacaxi, que cresciam bem no clima do Havaí e tinham alto valor de mercado.
O Papel do Açúcar e o Crescente Interesse Americano
O açúcar transformou a economia do Havaí. Empresários americanos viram nas plantações de cana-de-açúcar uma oportunidade de lucro e começaram a adquirir grandes extensões de terra para cultivar e exportar. Em troca, muitos políticos e empresários americanos passaram a influenciar cada vez mais o governo havaiano, criando uma dependência econômica que enfraqueceu a soberania do reino.
Esse processo criou um desequilíbrio de poder no Havaí. Enquanto a monarquia ainda existia, os negócios do açúcar estavam, na prática, nas mãos de estrangeiros que moldavam a economia da ilha de acordo com seus interesses. A elite havaiana começou a temer que, com o poder econômico nas mãos dos americanos, a independência do Havaí estava ameaçada.
A Ascensão de Liliʻuokalani ao Trono
Quem Foi Liliʻuokalani?
Liliʻuokalani nasceu Lydia Liliʻu Loloku Walania Wewehi Kamakaʻeha em 1838, em Honolulu, e cresceu em uma família real havaiana. Ela era educada, tinha talento musical e era politicamente ativa. Desde jovem, ela compreendia o papel da monarquia e valorizava as tradições havaianas. Sua música “Aloha ʻOe” permanece até hoje como um símbolo de sua herança cultural e do afeto pelo seu povo.
Em 1891, Liliʻuokalani se tornou rainha após a morte de seu irmão, o rei Kalākaua. Desde o início de seu reinado, ela enfrentou enormes pressões políticas dos americanos residentes que controlavam grande parte da economia do Havaí. Com um forte senso de dever, ela procurou proteger o Havaí e os direitos indígenas de seu povo contra essas forças externas.
O Desafio da Constituição de 1887
A Constituição de 1887, imposta ao rei Kalākaua e conhecida como a “Constituição da Baioneta”, tirou muito do poder da monarquia. Sob pressão de americanos armados, o rei foi forçado a aceitar uma nova constituição que concedia mais direitos aos estrangeiros residentes e restringia o poder da realeza havaiana. Liliʻuokalani, ao assumir o trono, se viu diante de um país onde a monarquia havia perdido grande parte de sua influência.
O Golpe de 1893 e a Queda da Monarquia Havaiana
A Tentativa de Liliʻuokalani de Reverter a Constituição
Ao longo de seu reinado, Liliʻuokalani tentou restaurar a autoridade da monarquia e devolver ao Havaí uma constituição que desse voz ao povo nativo. Ela acreditava que o Havaí deveria ser governado pelos havaianos e não pelos interesses estrangeiros. Porém, suas tentativas de implementar uma nova constituição geraram tensão com a classe de empresários americanos, que temiam perder seu domínio econômico.
O Golpe Planejado pelos Empresários
Em janeiro de 1893, um grupo de empresários americanos e europeus, com o apoio do embaixador dos EUA, organizou um golpe contra a monarquia havaiana. Sob a alegação de que o Havaí precisava de uma nova liderança para garantir a estabilidade e os interesses econômicos estrangeiros, os conspiradores declararam o fim da monarquia e a criação de um governo provisório.
Liliʻuokalani optou por não resistir ao golpe com violência. Ela acreditava que evitar um confronto armado protegeria o povo havaiano de um massacre. Em vez disso, a rainha decidiu lutar pela justiça em um campo diplomático, apelando para o governo americano.
“Eu cedo à força superior dos Estados Unidos da América, cujo ministro plenipotenciário, sua excelência John L. Stevens, fez com que tropas dos Estados Unidos desembarcassem em Honolulu e declarou que apoiaria o Governo Provisório.”
Declaração escrita pela Rainha Liliʻuokalani em 17 de janeiro de 1893.
A Luta Diplomática de Liliʻuokalani e o Legado de Resistência
Viagens e Apelos aos Estados Unidos
Após ser deposta, Liliʻuokalani viajou aos Estados Unidos para tentar recuperar o trono através da diplomacia. Ela encontrou apoio entre alguns americanos que simpatizavam com a causa havaiana e viam o golpe como um ato de imperialismo injusto. Apesar dos esforços, os interesses econômicos e políticos dos EUA em anexar o Havaí acabaram por prevalecer.
Em 1898, o Congresso dos EUA aprovou a Resolução Newlands, formalizando a anexação do Havaí. Liliʻuokalani, então, se retirou da vida política ativa, mas continuou lutando pelo seu povo e pelo reconhecimento da cultura havaiana até sua morte.
O Legado de Liliʻuokalani para o Havaí e os Direitos Indígenas
O legado de Liliʻuokalani permanece forte no Havaí moderno. Ela é lembrada como uma líder que lutou para preservar os direitos indígenas e a cultura havaiana em meio ao crescente imperialismo. Até hoje, ela representa a resistência e a dignidade de um povo que nunca se esqueceu de suas raízes, e sua história é uma fonte de inspiração para os movimentos de direitos indígenas e de preservação cultural.
O Impacto Duradouro de Liliʻuokalani nos Direitos Indígenas do Havaí
A Identidade Havaiana e a Luta pela Preservação Cultural
A história de Liliʻuokalani é frequentemente recontada em eventos e celebrações culturais havaianas, como o “Dia da Soberania Havaiana”, que ocorre anualmente. Seu exemplo incentivou o ressurgimento da identidade cultural havaiana e a luta pelos direitos indígenas no Havaí. Além de promover o turismo cultural, a ilha hoje investe em programas de revitalização da língua havaiana, ensino das tradições locais e preservação dos costumes.
Movimentos Contemporâneos de Direitos Indígenas
No Havaí moderno, há um movimento crescente para proteger os direitos indígenas e garantir que o povo havaiano tenha controle sobre suas próprias terras e tradições. Questões sobre uso da terra e preservação cultural continuam sendo debatidas, especialmente em relação a projetos de grande impacto, como a construção do telescópio Mauna Kea. Muitos havaianos ainda buscam o reconhecimento de suas tradições e direitos, inspirados pelo exemplo da última rainha.
Liliʻuokalani foi a última monarca do Havaí, mas seu legado vai muito além da perda do trono. Ela é um símbolo de resistência cultural e uma lembrança da dignidade do povo havaiano frente ao poderio estrangeiro. Sua vida, marcada pela diplomacia e pela tentativa de proteger os direitos de seu povo, permanece viva na memória do Havaí e serve como um lembrete da importância dos direitos indígenas.
A história de Liliʻuokalani nos ensina sobre a importância da luta pela preservação cultural e pelos direitos dos povos nativos. No Havaí, ela é lembrada não apenas como uma rainha, mas como uma protetora do espírito e da identidade havaiana. Para aqueles que visitam o Havaí hoje, seu legado está presente, das paisagens intocadas às canções que ecoam sua memória, lembrando a todos da resiliência e do orgulho de um povo cuja história continua a ser contada.
Referências:
- Museu Bishop – https://www.bishopmuseum.org/
- “Como agricultores brancos usurparam a última rainha do Havaí” – Texto de Erin Blakemore, 26 de junho de 2021. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2021/06/como-agricultores-brancos-usurparam-a-ultima-rainha-do-havai
- Aloha ‘Oe: Liliuokalani (1838-1917) – companheira de destino da Princesa Isabel (1846-1921) – Victoria Ka’iulani (1875-1899) e a relevância da cultura poético-musical na monarquia havaiana – Disponível em: http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Liliuokalani.html