Durante a década de 1970, um período turbulento na história da ditadura argentina, um grupo de mães — vestidas de luto e carregando lenços brancos — começou a se reunir na Praça de Maio, em Buenos Aires. Esse movimento, iniciado por mulheres comuns, tornou-se um símbolo de resistência, solidariedade e, acima de tudo, uma busca incessante por justiça. Neste artigo, exploraremos como e por que as Mães da Praça de Maio surgiram, seu impacto na ditadura argentina e o legado duradouro das Mães da Praça de Maio na luta pelos direitos humanos.

A Ditadura Argentina e o “Desaparecimento” de Milhares
Para entender o surgimento das Mães da Praça de Maio, é importante revisitar a história da ditadura argentina, especialmente o período de 1976 a 1983, quando o país estava sob regime militar. Esse governo impôs uma repressão extrema, conhecida como "Guerra Suja" ou "Terrorismo de Estado", na qual ativistas, estudantes, sindicalistas, professores, jornalistas e qualquer pessoa considerada uma ameaça ao regime eram alvos de perseguição, tortura e "desaparecimento".
Estima-se que cerca de 30.000 pessoas desapareceram durante esse período. Muitas foram levadas para centros de detenção secretos, onde foram torturadas e frequentemente executadas. Seus corpos nunca foram encontrados, e a falta de informações levou à criação do termo "desaparecidos" para descrever as vítimas. Com pouca ou nenhuma explicação das autoridades, essas pessoas simplesmente desapareceram. Nesse contexto de violência e silêncio, um grupo improvável de vozes se levantou.
O Surgimento das Mães da Praça de Maio
O Primeiro Encontro na Plaza de Mayo
Em 30 de abril de 1977, um pequeno grupo de mulheres se reuniu na Plaza de Mayo, a principal praça de Buenos Aires, localizada em frente à Casa Rosada, sede do governo. Essas mulheres eram mães e avós que, desesperadas por notícias sobre o paradeiro de seus filhos, decidiram se reunir em um ato simbólico — buscando apoio e compartilhando sua dor.
Entre elas estava Azucena Villaflor, que se tornou uma das principais líderes do movimento. Como muitas outras mães, Azucena teve um filho que desapareceu após ser detido pelas forças de segurança do governo. Ela e as outras mães decidiram continuar se reunindo semanalmente na Praça de Maio, marchando em silêncio, em círculos, segurando fotos de seus filhos desaparecidos.
A Escolha do Lenço Branco
Um dos símbolos mais reconhecíveis das Mães da Praça de Maio é o lenço branco que usam na cabeça. Este lenço foi adotado como símbolo de sua luta e representa a pureza e a memória de seus filhos. Originalmente, os lenços eram fraldas brancas para bebês — uma escolha simbólica que fazia referência à maternidade e à infância, enfatizando que os jovens desaparecidos ainda eram vistos como crianças aos olhos de suas mães.
Este símbolo visual, embora simples, foi uma decisão poderosa que ajudou a dar ao movimento uma identidade única. O lenço branco tornou-se um símbolo de resistência que ecoou pelo mundo e se tornou parte da memória coletiva da Ditadura Argentina: as Mães da Praça de Maio.

A Marcha Silenciosa e seu Impacto Internacional
A Divisão e o Crescimento do Movimento

O papel das Avós da Praça de Maio
À medida que o movimento se fortalecia, uma nova luta se juntou à busca das mães. Descobriu-se que muitas mulheres grávidas sequestradas davam à luz em cativeiro, e seus bebês eram entregues a outras famílias. Esse novo grupo, conhecido como "Avós da Praça de Maio", começou a se organizar para encontrar essas crianças, que haviam sido separadas de suas famílias biológicas e, em muitos casos, cresceram sem conhecer sua verdadeira identidade.
Este grupo criou um sistema para rastrear essas crianças, combinando registros, entrevistas e, mais recentemente, testes de DNA. Até hoje, eles continuam identificando e reunindo essas crianças — agora adultas — com suas famílias biológicas.
A Internacionalização do Movimento
Ao longo dos anos, o movimento Mães da Praça de Maio recebeu apoio de figuras públicas e organizações de direitos humanos. Sua luta inspirou o surgimento de movimentos semelhantes em outros países latino-americanos onde também ocorreram ditaduras. Além disso, o trabalho das Mães da Praça de Maio ajudou a estabelecer o conceito de "Memória, Verdade e Justiça", que se tornou a base das lutas por direitos humanos relacionadas à ditadura argentina — as Mães da Praça de Maio e além.
O legado duradouro das Mães da Plaza de Mayo
Reconhecimento e Memória Coletiva
Com o fim da ditadura argentina em 1983, a luta das Mães da Praça de Maio continuou. Mesmo com o retorno da democracia, o movimento pressionou o governo a investigar e responsabilizar os envolvidos nos desaparecimentos e violações de direitos humanos. Graças à persistência dessas mulheres, leis foram aprovadas e instituições foram criadas para garantir a preservação da memória desses eventos.
Hoje, a Praça de Maio é um símbolo de resistência, e a luta das mães é lembrada em escolas, monumentos e eventos culturais. Todos os anos, os argentinos comemoram o Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça, em 24 de março, em homenagem às vítimas da ditadura e às mulheres que lutaram por elas.
A Busca da Justiça
Apesar de suas conquistas, a busca das Mães da Praça de Maio por justiça não terminou. Muitos dos responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura foram julgados e condenados, mas algumas investigações ainda estão em andamento. As famílias das vítimas continuam buscando respostas sobre o que realmente aconteceu com seus entes queridos.
Além disso, as Mães da Praça de Maio se tornaram uma espécie de “consciência” da sociedade argentina, lembrando constantemente o país de sua responsabilidade de proteger a democracia e os direitos humanos.
“Aparição com vida e punição aos culpados.”

Hebe de Bonafini (1928-2022) foi uma das principais figuras do movimento Mães da Praça de Maio, emergindo como uma incansável defensora dos direitos humanos e da justiça na Argentina.
Após o desaparecimento de seus dois filhos durante a ditadura militar (1976-1983), ela se juntou a outras mães e, em 1979, assumiu um papel de liderança no movimento, dedicando sua vida a exigir respostas e responsabilização pelas atrocidades cometidas pelo regime.
Sua luta e suas fortes declarações públicas fizeram dela uma figura controversa e influente, conhecida por sua coragem em confrontar a ditadura e denunciar a injustiça social. Hebe de Bonafini inspirou gerações a lutar pela verdade e pela justiça, deixando um profundo legado de resistência e perseverança na defesa dos direitos humanos.
Um exemplo de coragem e persistência
As Mães da Praça de Maio são um exemplo de como uma luta simples e pessoal pode crescer e se transformar em um movimento poderoso e duradouro. Essas mulheres, que enfrentaram o desaparecimento de seus filhos e a brutalidade de um regime repressivo, permaneceram firmes em sua busca por justiça — mesmo quando parecia impossível.
Elas nos lembram que, por mais difícil que seja a luta, a determinação e o compromisso com a verdade podem superar até mesmo os regimes mais violentos. Hoje, as Mães da Praça de Maio continuam a inspirar aqueles que acreditam na justiça e nos direitos humanos, e sua história serve de alerta para garantir que tais atrocidades nunca mais aconteçam.
Fontes
Feitlowitz, M. (2011). Um Léxico do Terror: Argentina e os Legados da Tortura. Imprensa da Universidade de Oxford.
- Explora a repressão e a resistência durante a ditadura argentina, incluindo a história e o impacto das Mães da Praça de Maio.
Guzmán Bouvard, M. (1994). Revolucionando a Maternidade: As Mães da Praça de Maio. Editora Rowman & Littlefield.
- Discute o desenvolvimento do movimento e o papel das Mães como ativistas de direitos humanos na Argentina.
Robben, ACGM (2005). Violência política e trauma na Argentina. Imprensa da Universidade da Pensilvânia.
- Um estudo aprofundado da ditadura argentina, da violência estatal e da resposta da sociedade civil, incluindo as Mães da Praça de Maio.
Taylor, D. (1997). Atos de Desaparecimento: Espetáculos de Gênero e Nacionalismo na “Guerra Suja” da Argentina. Imprensa da Universidade Duke.
- Examina como as Mães da Praça de Maio se tornaram uma poderosa imagem simbólica de resistência à ditadura.
Arditti, R. (1999). Em busca da vida: as avós da Praça de Maio e as crianças desaparecidas da Argentina. Imprensa da Universidade da Califórnia.
- Concentra-se nas Avós da Praça de Maio e seus esforços para recuperar as crianças sequestradas durante a ditadura.
Wright, TC (2007). Terrorismo de Estado na América Latina: Chile, Argentina e Direitos Humanos Internacionais. Editora Rowman & Littlefield.
- Análise das ditaduras do Cone Sul e da resposta internacional, destacando a luta das Mães da Praça de Maio por justiça.